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Tomás de Aquino
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Deus, Filosofia e Vida – Uma primeira aproximação
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Miscelânea: um conspecto do “Filosofante”

  

1. A virtude da estudiosidade

 

Como dizia Tomás, retomando o axioma aristotélico: “Existe naturalmente em todo homem o desejo de conhecer” (TOMÁS DE AQUINO. Comentário à Metafísica. I, I, 1). Ora, não desejamos conhecer qualquer coisa, senão que “(...) naturalmente desejamos conhecer a verdade, e fugimos de ser enganados pelo falso” (Idem. Suma Contra os Gentios. I, LXI, 7). Portanto, enquanto ser intelectivo e volitivo, o homem tende para a verdade como para o seu fim último e bem derradeiro, porquanto “(...) o fim e o bem do intelecto é a verdade” (Idem. Ibidem. III, XXV, 8). De fato, “(...) a perfeição do intelecto é o verdadeiro enquanto conhecido” (Idem. Suma Teológica. I, 16, 2, C). Destarte, conhecer o bem inteligível,  a saber, a verdade, eis em que consiste a perfeição do homem.

Pois bem, para alcançar tal meta, a saber, o bem da razão, que consiste em conhecer a verdade, o homem precisa dispor-se a ela e orientar-se para ela; com constância, inclinar-se a ela. Ora, esta perseverança na direção do bem racional é um hábito, ou seja, uma virtude, pois “a virtude define-se como uma disposição ou inclinação (‘habitus’) para agir conforme a razão” (BOEHNER, Philotheus, GILSON, Etienne. História da Filosofia Cristã: Desde as Origens até Nicolau de Cusa. 7ª. ed. Trad. Raimundo Vier. Petrópolis: Vozes, 2000. p. 479). Além disso, Tomás diz que “(...) a virtude humana torna bons os atos humanos e o próprio homem” (Suma Teológica. II-II, 58, 3, C). Torna bom o homem enquanto faz com que ele busque, de modo permanente, a sua perfeição específica, vale dizer, o bem da razão.

Ora, a virtude que está essencialmente ligada ao êxito do homem na persecução da verdade é a virtude da estudiosidade. Tal virtude, sublinha o Aquinate, “(...) não tem relação direta com o conhecimento, mas com o desejo e o empenho por obtê-lo” (Idem. Ibidem. II-II, 167, 1, C).  Por conseguinte, a estudiosidade “(...) implica, precipuamente, a aplicação veemente da mente a alguma coisa” (Idem. Ibidem. II-II, 166, 1, C). Como bem acentua Tomás, “(...) primeiro o espírito se aplica a conhecer; depois, àquilo a que é levado pelo conhecimento” (Idem. Ibidem). Ora, à virtude da estudiosidade não compete tanto cuidar de que usemos com correção os corolários procedentes de um conhecimento já adquirido, senão em corrigir e guiar o nosso espírito na sua aplicação concernente à busca de um conhecimento ainda por se conquistar. Na verdade, o estudo – continua o Aquinate –, “(...) busca, primeiramente, o conhecimento; e, secundariamente, tudo o mais que, para ser executado, precisa ser dirigido pelo conhecimento” (Idem. Ibidem).

Destarte, à virtude da estudiosidade pertence, própria e formalmente, disciplinar o ato intelectual na consecução da verdade, fazendo com que tal ato se desenvolva de forma intensa e aplicada, a fim de que, por meio dele, o homem logre êxito na empresa conducente à verdade.  Com efeito, é neste sentido, como bem nota Frei Tomás, que é preciso “(...) analisar diferentemente o conhecimento da verdade e o desejo e o empenho por conquistá-la” (Idem. Ibidem. II-II, 167, 1, C). À estudiosidade, portanto, o conferir retidão e correção a este empenho; a ela importa, antes de qualquer coisa, moderar e temperar este desejo de conhecer; a ela, afinal, o aplainar os caminhos e amainar o acre percurso na direção à verdade. Da estudiosidade, diz-se que “(...) faz o homem ter a vontade de aplicar, retamente, a potência cognoscitiva, de um modo ou de outro, a este ou àquele objeto” (Idem. Ibidem. II-II, 166, 2, ad 2).

Ora, é interessante acentuar que, desde o princípio da vida contemplativa e como seu fundamento, faz-se mister admitir uma virtude moral. Há, de fato, a necessidade da formação de uma vontade forte e disciplinada, senhora de si, que domine, controle e ordene as nossas paixões, a fim de que, subordinadas ao bem da razão, nos façam buscar com persistência a verdade. Assim é, porquanto “(...) o ato da potência cognoscitiva é comandado pela potência apetitiva, motora de todas as potências (...)” (Idem. Ibidem). Ora, é à estudiosidade que compete hierarquizar as nossas apetências na empreitada do conhecimento. É, pois, desta forma, que “(...) a estudiosidade refere-se propriamente ao conhecimento” (Idem. Ibidem. II-II, 166, 1, C): é uma virtude à qual cabe temperar e fortalecer a nossa sede de conhecer, ante as solicitações das paixões inferiores que tendem a desviá-la.

Desta sorte, é ainda à estudiosidade que cumpre ajudar-nos a traçar o método adequado (do grego methodos, que significa literalmente meta a ser percorrida) para conseguir chegar à verdade. Ou seja, é a ela que atende nos dar serenidade para traçar a “(...) via segura que leva infalivelmente à meta desejada” (MONDIN, Battista. Quem é Deus? Elementos de Teologia Filosófica. 2ª. ed. Trad. José Maria de Almeida. São Paulo: Paulus, 2005. p. 19). Ora, ela opera isto, indiretamente, enquanto modera os nossos desejos, comedindo-os e canalizando-os ao bem da razão. Ela nos dá, pois, a constância de agir conforme a reta razão, sem a qual ninguém chegará à contemplação da verdade.

À estudiosidade, finalmente, cabe impor ao nosso desejo natural de conhecer, aquela disciplina perseverante que o fará ter bom êxito. E por disciplina entendemos: “(...) um sistema objetivo e normativo de exigências que, de modo duradouro, enquadram a atividade do indivíduo ou do grupo para o cumprimento de uma determinada finalidade” (FRANCA, Leonel. Liberdade e Determinismo. Rio de Janeiro: Agir, 1954. p. 238). Será a disciplina, pois, que fornecerá os meios adequados dos quais lançaremos mão para adquirir um conhecimento certo e seguro. Será ela a evitar que a nossa busca pelo conhecimento seja avulsa ou amorfa; conferindo-lhe uma ordem habitual e racional, ela subordinará, de forma convergente e coesa, os meios aos fins, colocando aqueles a serviço destes: “(...) a disciplina é expressão da ordem, é a adaptação racional dos meios aos fins (...)” (Idem. Ibidem).

A estudiosidade, por conseguinte, opõe-se, direta e positivamente, a um “autodidatismo” desmesurado, incapaz de dar organicidade à empresa do conhecimento. Ela, enquanto tempera os nossos ímpetos e modera as nossas curiosidades, ao mesmo tempo que também nos fortalece no árduo e solitário comércio com os textos e os autores, proporciona-nos, enfim, o ensejo de descobrir aqueles critérios que nos farão chegar a um conhecimento sólido do real. Máxime nos jovens, mais afeitos a arroubos de qualquer vento de doutrina, mister é que a estudiosidade venha amainar os ânimos, hierarquizando-os, organizando-os, e livrando-os dos afoitos passageiros. Urge, nesta idade, onde nos deixamos seduzir mais facilmente pelas veleidades, onde os nossos humores ficam mais à mercê das vicissitudes e dos instintos, que a virtude da estudiosidade venha dar serenidade, calibrando as paixões e dando-nos persistência na indústria que nos é proposta. Nos jovens, a tentação do “autodidatismo” se acende com maior força, porquanto se faz sentir de forma mais intensa também a resistência a qualquer disciplina e o desejo de subtrair-se a qualquer autoridade:

 

Ora, o autodidata, salvo raríssimas exceções, não se submete às exigências de um estudo metódico, de uma disciplina regular na aquisição progressiva dos conhecimentos. Atira-se afoitamente às primeiras leituras que lhe vêm as mãos ou lhe atraem as preferências. Amontoa assim conhecimentos desconexos, amalgama sistemas encontrados, baralha idéias heterogêneas e, por fim, confundindo erudição com ciência, acaba por convencer-se que é profundo filósofo porque leu muitas filosofias. (FRANCA, Leonel. Noções de História da Filosofia. 4ª. ed. Rio de Janeiro: Pimenta de Mello, 1928. p. 234).

 

2. A educação

 

O que é educar? Antes de tudo, nada de ufanias, a educação não faz milagres. O educador, deveras, de quimeras não pode viver. Nenhuma força preternatural anima a educação. Importa, por conseguinte, dizer o que a educação não é e o que dela não se pode esperar. Desta sorte, cumpre observar que ela “(...) não cria, não tira do nada; não faz um gênio de um idiota, nem um atleta de um inválido” (FRANCA, Leonel. Liberdade e Determinismo. p. 94). Como bem ressalta Franca, “(...) a educação, a rigor não transforma, isto é, não dá a uma matéria preexistente outra forma qualquer (...)” (Idem. Ibidem). Sua missão é outra: ela cultiva, é uma cultura. E “(...) cultivar é desenvolver todas as virtualidades latentes num germe” (Idem. Ibidem). Portanto, educar o homem é cultivar todas as suas potencialidades, fazer com que se desenvolvam todas as suas virtualidades naturais. Não se trata, desta sorte, de transformá-lo num anjo ou num super-homem, mas, precisamente, num homem!

No caso da educação da razão, educa-se cultivando o pensamento, e “(...) nós pensamos por palavras” (Idem. Ibidem. p. 121). As coisas que nos rodeiam, objeto primeiro dos nossos pensamentos, “(...) entram na nossa inteligência através das idéias que as representam (...)” (Idem. Ibidem). Ora, “(...) as idéias nós as exprimimos e precisamos por meio de palavras” (Idem. Ibidem). Destarte, a palavra, por sua própria essência, é “(...) um sinal, sinal da idéia primeiro, depois da realidade” (Idem. Ibidem). Pois bem, esta substituição das coisas por um sinal, conquanto tenha vantagens inegáveis, como certa economia no processo intelectual, apresenta-nos um inconveniente, qual seja, a tentação sempre presente “(...) de nos determos superficialmente na rapidez do som sem nos esforçarmos por substituí-lo pela riqueza do seu conteúdo real” (Idem. Ibidem). Donde o perigo de cairmos num idealismo fantasmagórico, quimérico e demasiado abstrato. Adverte Franca: “(...) as palavras são curtas; cômodas, ligeiras; as coisas em si são pesadas e complexas. As palavras sucedem-se vertiginosamente na fluência contínua da leitura ou da conversa” (Idem. Ibidem).

Como, pois, livrarmo-nos do risco de cairmos numa erudição vazia? Como não reduzirmos a “estudiosidade” e a própria educação numa cultura livresca?  De fato, quando se para no som das palavras, as coisas “(...) por elas assim evocadas, não podem deixar de ficar num estado de abstração vaga, imprecisa, vaporosa” (Idem. Ibidem). Ora, é somente pela meditação reflexiva – e só por ela – que iremos conseguir “(...) substituir as palavras pelas coisas, o abstrato pelo concreto, colocar-nos não em contato superficial com sinais de convenção, mas em face da realidade verdadeira e tangível das coisas” (Idem. Ibidem. p. 122). E pôr-se a meditar de forma reflexiva é debruçar-se em face à verdade conhecida, é aderir ao dever que ela nos impõe, é curvar diante da sua beldade a nossa vontade arredia. É não olvidar de estar a sós consigo, é colocar-se em solilóquio prolongado.

 Ora, esta meditação reflexiva será tanto mais importante quanto mais nos aproximarmos das alturas metafísicas, lá onde não se pode mais recorrer às imagens sensíveis e à imaginação: “(...) os valores espirituais, os princípios de ordem superior por sua própria natureza não são suscetíveis de uma imagem sensível” (Idem. Ibidem. p. 123). De fato, nos arcanos metafísicos e teológicos, onde se adensam as caligens do mistério, como não cairmos num ensino puramente institucional, estático, petrificado, de conceitos puramente abstratos que não nos tocam e que para nós não passam senão de simples emissão de voz (flatus vocis)? Como escapar às erudições vazias, quando se trata das regiões trevosas da fé e do numinoso?  Responde Pe. Franca: “Aqui, mais do que nunca, só a reflexão é que nos pode aos poucos pôr em contato com a realidade representada e resumida na palavra” (Idem. Ibidem).

Pois bem, tal meditação reflexiva não pode ser abandonada ao talante de quem aprende, ao alvitre do estudante. Uma cultura, exclusivamente autodidata, é – ratificamos –, por sua própria essência, deseducativa. Como frisa Franca, “(...) a educação não prescinde de imperativos” (Idem. Ibidem. p. 176). Com efeito, quando se diz educar, diz-se também intervir. E toda intervenção implica, de modo iniludível, numa orientação. E toda orientação, de forma inolvidável, supõe que se conheça, com firme convicção, o caminho para o qual se deve orientar, vale lembrar, a verdade. Neste sentido, da educação, declina ainda o nosso Jesuíta: “(...) educar é intervir; intervir é orientar; orientar é conhecer um rumo e para ele dirigir a criança” (Idem. Ibidem). Por conseguinte, não há lugar para neutralidade na educação; não há como abster-se ou prescindir de um ideal no processo educativo: “(...) impossível educar sem um ideal educativo (...)” (Idem. Ibidem). Quando se quer cultivar, urge posicionar-se com clareza. É assim que se ganha a confiança de quem se aproxima de nós para aprender.

 

3. Disciplina e correção

 

Quando se quer ensinar a verdade, mister é expô-la com franqueza e firmeza; transmiti-la com segurança, é imprescindível. Para quem a descobriu, atende comunicá-la com sinceridade e fidelidade. Cumpre passá-la com denodo, descortino e alento. Inclusive, de quando em quando, se necessidade houver, importa não ser renitente a com fôlego lançar mão de sanções, a fim de desviar o discípulo do erro. Sancionar “(...) uma lei é torná-la santa, isto é, inviolável” (Idem. Ibidem. p. 220).  Portanto, a sanção ou a disciplina (correção) é “(...) um corolário espontâneo da lei da autoridade que a promulga” (Idem. Ibidem). De fato, quem se põe a ensinar a verdade – quer intelectual, quer moral – e depois admite, inadvertidamente, que os que estão sob a sua responsabilidade se desviem dela, tergiversa com relação àquilo a que se propôs e falta com a caridade para com aqueles que a ele se confiou: “A sanção exprime a vontade eficaz do legislador de realizar o bem que inspirou a promulgação da lei” (Idem. Ibidem).

O que foi dito de uma maneira geral, importa aplicar agora à educação. Como para a sociedade a sanção imposta pelo legislador está a serviço do bem comum, assim a “(...) a sanção está essencialmente subordinada, como meio, ao fim da educação” (Idem. Ibidem. p. 222). Ora, o fim da educação “(...) é formar o homem, para o cumprimento integral de sua missão de homem (...)” (Idem. Ibidem). Portanto, a sanção deve estar sempre a serviço da formação do homem, educando-o para liberdade e nunca lhe cerceando a dignidade. Logo, cumpre dizer que o castigo não tem um fim em si; ele é um meio. E há mais. Ele sequer é um meio absolutamente necessário, mas condicionado pelas circunstâncias. Daí que a primeira norma “(...) é que se deve castigar o menos possível” (Idem. Op. Cit. p. 227). Deveras, “A eficácia das sanções está em boa parte condicionada pela sua raridade” (Idem. Ibidem). Por quê? Porque, na educação, cujo objeto precípuo é a formação do homem na sua integralidade, “(...) os castigos não são um elemento, mas um remédio” (Idem. Ibidem). Destarte, na medida em que a pessoa vai alcançando um grau cada vez maior de liberdade responsável, as sanções não só podem como devem adaptar-se ao caráter já parcialmente formado do educando, e, doravante, ir dando lugar a um exame de consciência, isto é, cedendo terreno ao exercício do juízo crítico, ou seja, à autocorreção. Di-lo-á um pedagogo alemão, O. Sutermeister: “(...) castigamos para não devermos castigar mais” (In: VIOLLET. Les Sanctions en Education. pp. 46-51).

Com efeito, com isso tocamos uma verdade mais profunda. A missão preponderante da educação é coroar o homem como senhor de si, fazê-lo ter domínio dos seus atos. Ao educador, por sua autoridade, a missão de exercer uma influência benfazeja sobre o educando, que o faça, no futuro, autor dos seus atos. Por isso mesmo, toda “(...) autoridade pedagógica tem como primeira lei a de eclipsar-se progressivamente” (FRANCA. Liberdade e Determinismo. p. 216). Por sua própria finalidade – o de tornar o homem responsável por seus atos –, a missão do educador “(...) é tornar gradualmente dispensável a assistência dos seus cuidados (...)” (Idem. Ibidem). A ele cabe orientar os caminhos do discípulo para o bem; a ele, o moldar o caráter do aluno para os grandes valores humanos: liberdade e autonomia. Desta feita, a orientação de toda educação deve ser esta: “(...) obediência decrescente, independência progressiva” (Idem. Ibidem).

De fato, quando a personalidade do educando encontrar-se formada, compete ao educador o dever de reconhecer que “(...) chegou o momento de abdicar entregando ao novo e natural soberano o governo dos seus domínios” (Idem. Ibidem). A verdadeira educação forma homens livres, capazes de se “autodeterminar”. A tutela daquele que ensina sobre aquele que aprende tem de ser, essencialmente, temporária. Estar diante de um homem educado, é estar diante de um homem livre, isto é, capaz – pela razão e pela vontade – de reinar sobre as forças inferiores que agitam a sua natureza incomunicável de pessoa. Ser educado é ter colocado tudo sob os ditames da reta razão e sob o governo de uma vontade forte, esclarecida pela mesma razão.

 

4. Educação e vida

 

Neste sentido também, importa que aquela egressão das palavras às coisas da qual falávamos aconteça de fato. Máxime em nossos tempos atuais, o regresso às realidades quotidianas faz-se necessário. Por quê? Porque “O que aspira a nossa geração é viver – viver intensamente, viver plenamente, expandir em todas as direções a sua exuberância vital” (Idem. Ibidem. p. 165). Tende-se, hoje, mais do que nunca talvez – exatamente em nome desta expansão vital – a desdenhar-se dos valores do espírito. Para nossos coevos, “Os valores intelectuais passam a segundo plano; exaltam-se em primeira linha os sentimentos, os instintos, as tendências biológicas do eu profundo” (Idem. Ibidem). Por isso mesmo, não nos podemos furtar ao problema da vida; ela irrompe, qual força avassaladora, e impõe-se-nos com uma urgência indeclinável. De fato, aprender a viver é a resposta que todos esperam. Daí a tarefa a qual compete à filosofia cuidar responder, qual seja, mostrar que as suas palavras não nos alienam da realidade, não são gírias sem significado correspondente no real. Aliás, esta é a missão do filosofar em sua própria essência: mostrar como, por meio da meditação reflexiva dos termos, das ideias e dos valores, podemos remontar à realidade e ao ato que os mesmos expressam.

Um olhar atento às palavras nos poderá pôr a descoberto o véu da realidade que elas significam. Nas palavras, subjazem, escondidas, as experiências marcantes que vivemos. E a filosofia não é senão um resgate deste quotidiano, da vida como ela é. Destarte, a linguagem é onde sobrevive, cristalizada, o que experienciamos no devir que não cessa, no fluir que não para. Portanto, lá, nas palavras e convenções, é que se deve encontrar o laboratório do filósofo.

Fazer tal resgate, a saber, mostrar que a linguagem está ligada à vida de forma indeclinável, é uma emergência. Neste sentido, a filosofia precisa urgentemente voltar a ser uma sabedoria de vida, quero dizer, deixar de ser apenas um gueto acadêmico e voltar a ser aquela que é capaz de mostrar aos nossos coetâneos toda a gravidade do problema da vida: “A vida não espera; impõe-se com o seu ritmo que não conhece pausa nem intervalo” (Idem. Ibidem. p. 166). Algumas primaveras, nada mais que isso, é o tempo que temos. Um piscar de olhos e já estamos no inverno desta existência, finda a qual seremos julgados pelo amor (São João da Cruz). O tempo passa implacavelmente e a repercussão de como o aproveitamos é estrondosa. Basta um olhar de relance a isto que chamamos vida, para verificarmos a sua dramaticidade inolvidável. A vida não espera e dela não nos podemos subtrair, nem esquivar-nos. Em verdade, não há como fugir da vida, ainda que seja por um momento. Se não a assumirmos, se o quanto antes não a tomarmos nas mãos, a perda será incalculável, a desdita será um revés sem volta: “Não haver resolvido a tempo o problema da vida, não haver colhido em cada uma de suas fases o que ela nos podia dar, significa uma existência perdida, um fracasso irreparável” (Idem. Ibidem).

Desta sorte – reiteramos –, urge à filosofia tornar a ser uma sabedoria de vida; só assim ela voltará, consequentemente, a ocupar o trono que sempre fora seu: a rainha das ciências. Com efeito, só ela se encontra capaz de responder, adequadamente, à questão da vida, que é, na verdade, o problema do homem. Trata-se da questão das questões, porquanto ventura ou desventura estão em jogo. Inalienável, a questão da vida faz entrar em cena a possibilidade de um infortúnio sem retorno: “O problema da vida é para mim tudo. É o problema do nosso eu, dos seus destinos, da sua realização, da sua felicidade” (Idem. Ibidem).

Não há como recuar ante problema tão pessoal, que nos toca tão de perto. Nossos atos irão formatar, de modo inexorável, os nossos destinos intangíveis. Mormente para o cristão, tais atos terão uma repercussão eterna. Eles irão configurar qual será a nossa sorte no ocaso desta existência efêmera, no além-túmulo. De fato, no fim de tudo, não haverá lenitivo, nem sufrágio, nem idílico que nos possa safar à mão da morte. Sim, a morte é apanágio de todo filho de Adão. Deste algoz cego, verdugo intransigente, que desconhece qualquer acepção de pessoa, ninguém poderá escapar. Passaremos pela morte, querendo ou não, sozinhos. A morte é uma certeza inarredável da vida, a experiência mais íntima e pessoal que podemos ter! A morte faz parte da vida...  Pergunta-se, então: “Como ficar indiferente ao que tão substancialmente se identifica com o que sou e com o que serei para sempre” (Idem. Ibidem)? Como manter-se inerte ante a vida, quando somos justamente nós que estamos sujeitos a ela? Somos nós que vivemos: ego vivo (AGOSTINHO. Confessiorum libri XIII. I, 6, 9). Como fugir à responsabilidade que ela nos outorga e a todo tempo nos reclama? Na verdade, não há impassibilidade possível neste caso: “Qualquer atitude que se assume na vida é uma resposta que se lhe dá” (FRANCA. Liberdade e Determinismo. p. 66). Não há como passar pela vida impune.

Mas o que é isto, a vida? A vida, dirão os filósofos escolásticos, “(...) é movimento. A morte é a imobilidade.” (Idem. Ibidem. p. 168). Decerto, não qualquer movimento, mas “Movimento imanente teleológico ou finalista” (Idem. Ibidem). A vida tem uma finalidade, uma razão de ser. Além disso, vivo diz-se de um ser capaz de aperfeiçoar-se a si mesmo, ou seja, que não nasce perfeito, mas que, “(...) partindo de um germe, cresce, desenvolve-se, até atingir um estado de perfeição que lhe é próprio” (Idem. Ibidem). Com efeito, de algum modo, vê-se que todo ser vivo é a expressão de algo coeso e ordenado. Um ser vivo é como se fora “(...) uma idéia em marcha; um plano que se executa; um ideal que se realiza” (Idem. Ibidem). De um ser vivo, diz sentença lapidar: “(...) é um ideal que se deve realizar e se realiza” (Idem. Ibidem).

Os corpos físicos realizam tal ideal de perfeição, obedecendo a um determinismo inflexível. O homem, conquanto não possa escapar de todo à influência da matéria, nela não está imerso completamente. Pela sua inteligência e vontade, emerge para um plano superior; é, pois, livre, e torna-se, desta feita, responsável pela sua própria vida. No homem, a espontaneidade, apanágio daqueles seres que possuem um princípio interno de movimento – ou seja, de todos os seres vivos –, alcança o seu ponto mais alto, qual seja, a capacidade de autodeterminação consciente. Por certo que “Esta liberdade não é absoluta. Cada qual não pode ser o que quer.” (Idem. Ibidem. p. 170). Eis aqui um organismo raquítico. Certamente não se poderá tornar um atleta. Outro, possui limites intelectuais intransponíveis; não dependerá dele ser um gênio. Nossa liberdade não é onímoda. Porém, a todos a natureza galardoou com seus dons, “(...) valorizá-los, pois, é tarefa da liberdade” (Idem. Ibidem). Desta feita, o homem torna-se responsável pelo quinhão que lhe coube dispensar a natureza: “Pelo que recebemos não se nos pedirá contas; somos, porém, responsáveis pelo que fizermos do que recebemos” (Idem. Ibidem). Não se pode fugir a esta responsabilidade intransferível; furtar-se ao dever de se alcançar a perfeição própria, é fadar-se à inglória, pois “Nenhum ser pode ser feliz fora da sua perfeição. A felicidade desabrocha da perfeição, espontaneamente, como o perfume da flor” (Idem. Ibidem).

Mas onde a filosofia entra em cena no dilema da vida? Ora, sendo a filosofia a ciência das causas altíssimas, a ela o múnus de nos “in-formar”, a cada qual, a respeito dos nossos destinos supremos, e, assim, orientar-nos “(...) sobre as finalidades da vida humana e sobre as finalidades de minha vida, no concerto universal das coisas” (Idem. Ibidem). Dizíamos, acima, da necessidade de voltar-se para as coisas. E esta necessidade é infranqueável. Contudo, não se pode parar nelas. Sim, não pode o homem prender-se às aparências deste mundo que passa. Aqui, ali, tudo o que vemos são coisas passageiras, contingentes. Rotina de compromissos, o dia-a-dia com a sua monotonia, a dissonância dos mais variados afazeres e deveres da convivência social, tudo isso nos parece tomar toda a vida e “Imediatamente parece-nos que a vida é isto. Mas não é só isso” (Idem. Ibidem. p. 171). São fins particulares, meios, na verdade. Precisam, desta sorte, ser norteados em perfeita subordinação ao fim último desta existência, que a transcende. De resto, em todos os afazeres da vida, diz Franca: “(...) deve-se realizar o fim último da vida na sua transcendência que não prescreve” (Idem. Ibidem).

Mas, para nós, seres racionais, não há como alcançar o nosso fim último, dissuadindo do seu conhecimento.  Não há como protelar o seu conhecimento. Para nós, “(...) o êxito da empresa está condicionado pelo estudo do plano” (Idem. Ibidem). E este conhecimento, quem no-lo proporciona, é a filosofia e a teologia. Portanto, para nós, filosofia e vida em plenitude são sinônimos. É ela que nos legará, pelo conhecimento que nos proporciona, o nosso norte: “Disciplina da vontade, formação de hábitos, governo dos sentimentos, das emoções – postos a serviço do bem que se conhece e deseja realizar” (Idem. Ibidem. 172). Em uma palavra: não há como educar o homem sem a filosofia, pois a ela o desnudar qual é o fim da nossa vida.

 

5. Ética e política

 

Nenhum processo educativo pode prescindir do tema do dever. Mas o dever só se torna um imperativo categórico quando se coloca a questão do fim último do homem. Ora, o fim último do homem não é outro senão Deus. Logo, é “Impossível fundar no íntimo das consciências a inviolabilidade absoluta do dever sem apelar para a existência de Deus, legislador da ordem moral como o é da ordem física” (Idem. Ibidem. p. 263). E quem no-la dá a conhecer, no âmbito natural, é a filosofia. Portanto, uma educação moral sem a filosofia é uma educação sem fundamento, sem princípio. Por conseguinte, torna-se suscetível de perder-se toda educação que se aliena de Deus, que tergiversa em relação à verdade religiosa. A ética e a política, por exemplo: que seriam destas disciplinas sem um fundamento metafísico que dê consistência a elas? Tornar-se-iam, sem dúvida, ou impossíveis, ou transformar-se-iam num arrazoado materialista. Impossível, sem embargo, a política sem Deus. Estado que prescinda de Deus, pura e simplesmente, é um contrassenso. Educação ateia, Estado deletério!

Expliquemo-nos. Um anjo se distingue de outro especificamente, como uma essência da outra. Há, pois, entre estes espíritos puros apenas uma diferença “qualitativa” e não “quantitativa”. Cada anjo realiza em si a plenitude de uma espécie própria. Disto resulta que, nas formas puras, cada uma consegue realizar em si toda potência da sua espécie. Arrazoa Franca: “Cada anjo possui em sua própria plenitude todas as excelências de sua natureza” (Idem. Ibidem. p. 257). Não assim com o homem. Dotado de corpo, a multiplicidade entre os homens é também de ordem “quantitativa”. Eles se distinguem uns dos outros também “quantitativamente”, isto é, enquanto se encontram inseridos numa mesma espécie. É a matéria o princípio de individuação que distingue os homens que possuem uma mesma essência. Disto procede que: “Nenhum de nós realiza em toda a sua integridade o ideal da natureza humana” (Idem. Ibidem).

Desta sorte, enquanto seres essencialmente sociais, “A perfeição completa da nossa espécie, no seu peregrinar terreno, é a missão, não de cada indivíduo, mas da humanidade inteira” (Idem. Ibidem). Não é possível ao homem isolar-se, sem tornar-se infecundo, sem cair numa esterilidade degradante. O homem, enquanto indivíduo, não basta a si mesmo. Cumpre que interaja com outrem, numa mútua colaboração que resulte em que cada um supra a necessidade do outro, com os talentos que a natureza lhe outorgou. De fato, a cada um de nós urge, quer por natureza, quer por vocação, o dever de suprir a incúria do outro. Esta é a lei indeclinável do progresso entre os homens e ela se estende tanto na universalidade do espaço quanto na continuidade do tempo: “Evidentemente, o postulado fundamental que condiciona todo o progresso humano é a mais estreita colaboração do passado com o presente para a preparação de um porvir melhor” (Idem. Ibidem. p. 258).

Ora, cumpre à educação interligar, numa sinergia benfazeja, as diversas gerações, pelo saber ministrado. Atende a ela tornar consortes as gerações, fazendo interagir as passadas com as vindouras, estabelecendo entre elas estreito conúbio: “Esta colaboração estreita entre os que vão passando e os que vêm surgindo, cláusula essencial do aperfeiçoamento humano, eis a nobilíssima tarefa social da educação” (Idem. Ibidem). Aos educadores foi confiada a missão eminentíssima de transmitir ao futuro o que o presente recebeu do passado. A eles cuida transmitir o depósito dos saberes acumulados ao longo dos séculos. Importa à educação, qual empório da verdade, guardar a tradição intelectual e moral intatas: “Esta transmissão dos cabedais inestimáveis – materiais, intelectuais, morais e religiosos – da civilização humana – que o presente faz ao futuro – eis a educação” (Idem. Ibidem. pp. 258 e 259). O precípuo dever da educação é inserir os infantes e novéis na vida social e na vetusta tradição que nos une.

 

6. A autoridade

 

Dir-nos-á o Estagirita, muito antes de Cristo, que “(...) o homem é, por natureza, animal político” (Política. 1253a, 27-29). Não pode, portanto, desenvolver-se enquanto homem, senão vivendo em comunidade. Conforme dita a lei da sua própria natureza, o homem não poderia sobreviver dignamente sozinho. Ora, a vida em sociedade, por sua vez, não se pode organizar e nem conservar-se, “(...) sem um princípio de harmonia, de união e de paz – que se chama autoridade” (FRANCA. Liberdade e Determinismo. p. 202). A autoridade, por conseguinte, longe de ser uma convenção supérflua, é um ditame indeclinável, corolário espontâneo da própria natureza humana. Mas, quando se diz autoridade, quer-se expressar o que com este termo? Ora, como bem define Franca, “(...) a autoridade é o direito de mandar, de ligar moralmente a vontade de outrem” (Idem. Ibidem. p. 205). A natureza do homem reclama este princípio. Mormente a fragilidade de uma criança, incapaz de reger-se por si mesma.

Entretanto, di-lo-emos de uma vez: não pode haver verdadeira autoridade fora do cristianismo. Sim, porquanto, conforme declara São Paulo, toda autoridade vem de Deus (omnis potesteas a Deo). Em Deus – e só n'Ele – enquanto Criador de todas as coisas, repousa autoridade onímoda. Desta sorte, “Todas as outras autoridades eclesiásticas ou profanas, domésticas ou civis são apenas uma delegação do seu poder soberano; não mandam nem podem mandar senão como representantes suas” (Idem. Ibidem. 207). Todas as demais autoridades são participações na autoridade de Deus, supremo legislador. Na verdade, nem precisamos recorrer a qualquer expediente teológico para deduzir, de forma inconfundível, que toda autoridade procede de Deus. Esta inferência é um corolário da própria teodiceia. Com efeito, enquanto atesta a existência de Deus, como causa e governador de todas as coisas, a própria filosofia nos evidencia esta verdade.

Não importa a forma da autoridade: monárquica ou democrática. De somenos importância ainda o nome que se dê a quem foi deputada esta autoridade: rei ou imperador, sultão ou presidente, senado ou diretório. Cumpre apenas que, “(...) sem autoridade não há como haver vida social, e sem vida social o homem é incapaz de atingir o desenvolvimento específico de sua natureza (...)” (Idem. Ibidem. p. 207). Ora, a própria natureza social do homem procede de Deus como de seu autor soberano; ademais, os ditames inalienáveis desta mesma natureza também dimanam da vontade do Criador. Logo, uma vez que “A sociabilidade é natural ao homem (...)”, “(...) tudo o que condiciona essencialmente a existência da sociedade representa indiscutivelmente a vontade de Deus, a ordem por Ele estabelecida e que nós não podemos transgredir sem contrariar o plano divino” (Idem. Ibidem). Portanto, a vida em sociedade funda-se na natureza humana e a sociedade humana, que não pode subsistir sem o princípio de autoridade, provém de Deus. Por conseguinte, uma vez que a natureza humana obra de Deus, que tudo cria e governa segundo as leis da sua infinita sabedoria, não se pode instalar a anarquia na comunidade dos homens, sem estar-se indo de encontro ao plano divino. Não há como negar as leis inerentes a nossa natureza, sem atentar contra a Providência Divina.

Destarte, o princípio da autoridade alicerça-se em Deus. Tendo Deus por fundamento, a obediência, resposta natural a toda autoridade constituída, torna-se um gesto de obediência a Deus: “(...) não nos curvamos diante de um homem, igual a nós, mas submetemo-nos religiosamente à disposição da divina Providência no governo de suas criaturas” (Idem. Ibidem. pp. 207 e 208). De sorte que, só dentro de uma perspectiva cristã, a autoridade afasta-se das suas degenerações mais funestas: a tirania ou o despotismo. De resto, para o cristão, como bem frisa nosso Jesuíta, “A autoridade é um ministério, um serviço público, é, antes de tudo, um dever, o dever de consagrar-se como servo ao bem comum dos governados” (Idem. Ibidem. pp. 208 e 209).

Foi o cristianismo que nos desvelou que o direito indeclinável de mandar, procede, na verdade, do dever inelutável de servir: “O direito de mandar (...) é todo derivado deste dever de servir e tutelar o bem comum” (Idem. Ibidem. p. 209). E, se toda autoridade vem de Deus, ninguém pode mandar, isto é, participar desta autoridade, sem que antes cumpra o seu primeiro e mais grave dever: obedecer ao próprio Deus. Donde, “Porque a autoridade vem de Deus e o que a exerce é um representante de Deus, o seu primeiro dever é obedecer a Deus” (Idem. Ibidem. p. 213). Destarte, toda autoridade legítima é ou deveria ser, antes de tudo, um servo: servo de Deus, a serviço do bem comum. De modo que, todo aquele que se encontra votado a ser “embaixador” de Deus no exercício da autoridade, encontrar-se-á, por isso mesmo, sempre submetido à tutela d'Ele. Daí que, “Negar a Deus, portanto, é destruir a autoridade” (Idem. Ibidem. p. 214).

De fato, a solidariedade intrínseca entre o direito de mandar e o dever de obedecer, só pode ser estabelecida e consolidada sob o signo do respeito. Mas o que é o respeito? Respeito, diz-nos Leonel, “É o segredo de ver (resp cere) o que há de divino nas coisas” (Idem. Ibidem. p. 215). Com efeito, só haverá verdadeira obediência e não escravidão de consciências, “Se na autoridade vedes a expressão da vontade de Deus” (Idem. Ibidem). De forma que, a autoridade que, contra a ordem estabelecida por Deus, colocar-se acima de Deus – absolutismo –, por sua própria atitude desobrigará aqueles que estão sob ela de dobrar-lhe a cerviz. Dar-lhes-á, antes, o direito de, levantando a fronte, dizer-lhe, sem pestanejar, em nome de Deus: non possumus. De maneira que, só o cristianismo conseguiu equilibrar, desde o seu âmago, autoridade e liberdade, relacionando-as, pois, não como forças antagônicas que se excluem, mas como princípios solidários que se unificam numa harmonia maravilhosa.

 

7. A antropologia

 

Ademais, uma sociedade sem Deus transformar-se-ia num materialismo que degradaria o homem. O socialismo, que tanto fascinou as gerações de antanho, não é senão uma ética sem transcendência. Para o socialista, seja de qual facção for, “(...) só a sociedade é real (...)” (Idem. Ibidem. p. 173). E para esta sociedade, que desconhece a transcendência da pessoa, ou seja, a sua incomunicabilidade, “(...) o indivíduo, sem um fim próprio e autônomo, não passa de um instrumento a seu serviço” (Idem. Ibidem).

Ora, nesta concepção de vida e realidade, das ciências resta apenas a sociologia, cujo “(...) objeto é estudar a sociedade como tal, isto é, a única realidade verdadeira” (Idem. Ibidem). De fato, para quem a sociedade é a última realidade à qual o homem deve estar ordenado, a sociologia para a ser a ciência primeira, enquanto “Todas as outras lhe são ancilas e dela devem receber as suas normas e sua orientação” (Idem. Ibidem). Neste contexto, a moral social, isto é, o sociabilizar-se, torna-se o imperativo categórico de toda educação moral, o capítulo a ser dilatado por toda a ética. Para o socialista, “Socializar passa a ser sinônimo de moralizar” (Idem. Ibidem. p. 174).

Ora, é precisamente este confinamento ou concentração de toda a ética no aspecto social, a razão pela qual ocorre no socialismo uma nefanda inversão de valores: o “(...) vício congênito do socialismo é o desconhecimento da eminente dignidade da pessoa humana” (Idem. Ibidem). Com efeito, o homem, destronado da sua verdadeira dignidade de ser, na ordem natural, um bem em si, torna-se, nesta doutrina, um instrumento, um simples meio. Na verdade, a razão de ser do socialismo é justamente esta: “(...) subordinação incondicionada e total do homem à sociedade, como de um meio ao seu fim único e supremo, de uma coisa ou de um instrumento ao destino que constitui a razão exclusiva da sua existência” (Idem. Ibidem).

Ora, sabemos que não é assim. O homem, pela sua inteligência e vontade, pode apreender e querer o universal e necessário, buscá-lo e determinar-se de modo condizente a ele. Aquilo que pode ser abstraído das contingências e vicissitudes do tempo e do espaço, a saber, a quididade ou essência dos entes sensíveis, eis em que consiste o objeto próprio da inteligência e da vontade humanas: “(...) pela sua inteligência e vontade o homem transmuda o tempo e o espaço e entra em contato com um mundo de valores mais altos cuja realização constitui o seu ideal supremo, o fim de sua natureza racional” (Idem. Ibidem). Por conseguinte, conceber que seja concernente ao homem qualquer bem que esteja abaixo da imaterialidade e espiritualidade da sua alma é “(...) mutilar essencialmente a nossa natureza e degradar-lhe a dignidade. O homem não é uma coisa a serviço de outra coisa” (Idem. Ibidem. p. 175).

Portanto, “A psicologia racional, a ética e a teodicéia, longe de serem ancilas da sociologia, impõem-lhe as suas conclusões certas como princípios de que a filosofia social deduzirá as conseqüências próprias do seu domínio” (Idem. Ibidem. p. 176). Desta sorte, questões como: “Deus existe?”, “A alma é espiritual e imortal?”, longe de serem alheias e nos alienarem da vida em sociedade, determinam, ao contrário, o nosso modo de agir no âmbito comunitário e político: “Das respostas positivas ou negativas a estas e outras questões semelhantes derivam necessariamente outros tantos corolários sociais, outras tantas normas a seguir na organização da nossa vida coletiva” (Idem. Ibidem. pp. 176 e 177).

 

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